domingo, 7 de dezembro de 2008

Conto de Natal




"A Música que vinha da Casa"

Como sempre fazia na véspera de Natal, o rei convidou o primeiro-ministro para dar um passeio. Gostava de ver como enfeitavam as ruas - mas para evitar que os súbditos exagerassem nos gastos com com o objectivo de lhe agradar, os dois sempre se disfarçavam com a roupa de comerciantes que vinham de terras distantes.
Caminharam pelo centro, admirando as guirlandas de luz, os pinheiros, as velas acesas nos degraus das casas, as barracas que vendiam presentes, os homens, mulheres e crianças que saiam apressados para se juntarem aos seus parentes e celebrarem aquela noite em torno de uma mesa farta.
No caminho de volta, passaram pelo bairro mais pobre; ali o ambiente era completamente distinto. Nada de luzes, velas ou o cheiro gostoso a comida pronta a ser servida. Não se via quase ninguém na rua e, como fazia todos os anos, o rei comentou com o ministro que precisava de prestar mais atenção aos pobres do seu reino. O ministro acenou positivamente com a cabeça, sabendo que em breve o assunto estaria de novo esquecido, enterrado na burocracia quotidiana, aprovação de orçamentos, discussões com dignitários estrangeiros.
De repente, notaram que de uma das casas mais pobres vinha o som de uma música. O barraco mal construído, com várias frestas entre as madeiras apodrecidas, permitia que vissem o que se passava lá dentro, e, era uma cena completamente absurda: um velho numa cadeira de rodas que parecia chorar, uma jovem completamente careca que dançava, e um rapaz de olhar triste que tocava um tamborim e cantava uma canção de folclore popular.
- Vou ver o que está a acontecer - disse o rei.
Bateu à porta. O jovem interrompeu a música e veio atender.
- Somos mercadores em busca de um lugar para dormir. Escutámos a música, vimos que ainda estão acordados, e gostaria de saber se podemos passar a noite aqui.
- Os senhores encontrarão abrigo nalgum hotel da cidade. Infelizmente, não podemos ajudá-los; apesar da música, esta casa está cheia de tristeza e sofrimento.
- E podemos saber porquê?
- Por minha causa - era o velho na cadeira de rodas que falava. - Durante toda a minha vida, procurei educar o meu filho para que aprendesse caligrafia, de modo a ser um dos escribas do palácio. Entretanto, os anos passaram e as novas inscrições para o cargo jamais foram abertas. Até que esta noite tive um sonho estúpido: um anjo aparecia e pedia-me que comprasse uma taça de prata, já que o rei iria visitar-me, beber um pouco, e conseguir emprego para o meu filho. A presença do anjo era tão convincente que resolvi seguir o que dizia. Como não temos dinheiro, a minha nora foi hoje de manhã ao mercado, vendeu o seu cabelo, e comprámos esta taça que está aí à frente. Agora eles tentam alegrar-me, cantando e dançando porque é Natal, mas é inútil.
O rei viu a taça de prata, pediu que servissem um pouco de água porque estava com sede, e antes de partir, comentou com a família:
- Que coincidência! Hoje mesmo estivemos com o primeiro-ministro, e ele disse-nos que as inscrições seriam abertas na semana que vem.
O velho acenou com a cabeça, sem acreditar muito no que ouvia, e despediu-se dos estrangeiros. Mas no dia seguinte, uma proclamação real foi lida por todas as ruas da cidade, procuravam um novo escriba para a corte. Na data marcada, o salão de audiências estava cheio de gente, ansiosa por competir por tão cobiçado cargo. O primeiro-ministro entrou e pediu que todos preparassem os seus blocos e canetas -
- Eis o tema da dissertação: porque é que um velho homem chora, uma mulher careca dança e um rapaz triste canta?
Um murmúrio de espanto percorre toda a sala: ninguém sabia contar uma história como essa! Excepto um jovem com roupa humilde, num dos cantos da sala, que abriu um largo sorriso e começou a escrever.
Paulo Coelho - (baseado num conto indiano)







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