quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

ANA e os seus SONHOS


Nem sei bem como começar. Mas vou escrever a verdade, da forma que me for lembrando e me for apetecendo.

A fotografia é minha, teria talvez seis ou sete anos, não me lembro bem, sei que o que nunca vou esquecer, é que esta praia era a minha praia, "Praia D. Ana", a praia onde ia sempre de férias, e que o meu pai dizia: "Esta é a praia da minha princesa, até lhe mandei pôr o nome dela, Ana", e eu feliz, sentia-me uma verdadeira princesa, porque o meu pai tinha-me dado uma praia.

Foi uma infância muito feliz, eu era mesmo a princesa do meu pai, era assim que eu me sentia, e me senti até aos treze anos, altura em que a inocência deu lugar á triste realidade, e a princesa transformou-se na pobre coitada, não chamarei escrava, mas chamarei a pobre menina que viveu na hipócrisia, feliz, achando que o mundo era cor de rosa, mesmo quando chovia, as poças de água eram piscinas para mim, as nuvens eram desenhos feitos pelos anjos, o sol era o Rei que me dava calor. Não tinha medo, a trovoada para mim era sinal que o Senhor lá de cima estava zangado com alguém que se tinha portado mal.

Quando todas esssas ilusões desapareceram, eu tornei-me, fria, insensível, desacreditada, tudo para mim tinham sido meras mentiras. O meu castelo imaginário desabou e eu tornei-me numa criança/mulher.

Cresci rapido de mais, da criança/mulher, tornei-me na mulher/criança ... desilusão. A vida desiludiu-me, quando começei a tomar consciência do mundo, das pessoas, das mentiras, das hipocrisias, das "lutas" para serem melhores, de "pisarem" as pessoas para puderem ser aquilo que não conseguem ser, porque eles próprios não o conseguem ser naturalmente, porque dentro deles só existe maldade, querem mostrar que são pessoas de índole boa, quando o interior é tão mau.

E doeu muito, ter chegado a tão triste conclusão por mim própria, sózinha, sem ninguem me explicar, como "ver" quem merecia confiança e quem não merecia a minha honestidade.

Senti-me muitas vezes "gozada", por ser tão ingénua, e isso tornou-me numa mulher triste.

Desabituei-me de falar, com medo que o que dissesse não fosse correcto, e destestava o sorriso irónico e cínico das pessoas. Fechei-me numa concha, criei refugios, para conseguir sobreviver.

Até que chegou uma altura da vida, e eu parei, e ao parar senti que dentro de mim nascia uma força tão grande, que jurei a mim mesma que ia ser uma MULHER.

Recomecei o que tinha abandonado aos dessassete anos. E ao conseguir perceber que afinal eu também era "gente", eu também tinha mente, eu também tinha inteligência, e não era a burra que me tinham incutido durante tantos anos, e a força foi tornando-se cada vez maior. Recomecei quase do sítio onde tinha parado.

Passaram quarenta e tal anos desde que esta fotografia foi tirada. A menina cresceu, o pai morreu. A vida continuou e continua. As ilusões desapareceram, e a mulher de hoje já não é a menina de ontem.
A praia deve estar no mesmo local, eu é que nunca mais tive a "coragem" de voltar ao meu passado, á minha "praia" porque me recuso a lembrar memórias tão boas e tão más.
AnaBorges


8 comentários:

Rato disse...

Não sei se a praia será reconhecida, com toda a degradação que grassa por aí, não deve ter escapado. Eu voltava lá.

Anónimo disse...

Talvez tenha razão, mas acho que não estou preparada para enfrentar fantasmas do passado. Não fiz o luto como deveria ter sido feito.
É natural que a degradação que fizeram por lá, também tenha atingido o meu sonho, por isso mesmo, fico por aqui. Coimbra, é uma cidade que gosto de viver.
Um abraço
AnaB

Rato disse...

Acho que nunca fazemos o luto. Os fantasmas aparecem quando menos esperamos, para nos atormentarem. Os medos combatem-se.Quando os conseguimos vencer, sentimos-nos leves e poderosos. Mais uma razão para reforçar a escolha de Coimbra.

Anónimo disse...

Engano seu, não existem fantasmas, esses só existem dentro de nós, existem recordações, memórias, não fantasmas, não almas perdidas, essas só mesmos as vivas. Eu jamais venceria um fantasma, porque ele não existe e se existisse, de certo procuraria alguém que lhe desse a luz que ele precisa para prosseguir a sua jornada.
E Coimbra ser uma razão?? Razão de quê??? De fantasmas???? Se fosse de palhaços e foliões até acreditava, agora fantasmas, só mesmo a república.
Senhor Rato, confie mais no presente e deixe os fantasminhas em paz.
Ana B

carlos freitas nunes disse...

Tenho um enorme respeito pela mulher que és. Vencer pelos nossos próprios braços, subir a corda a pulso é nossa sina. Com erros trambolhões, mordendo o pó do chão, levantando, caindo. Mas não desistir do sonho, embora hoje ser um sonhador seja pueril e desajustado. Sei do que falas, lá chegar, para quem nunca viveu nem habitou essas paragens que descreves da tua infância é que foi dificil. A minha infancia foi sem eira e apenas com uma beira, e um prato cheio, mas sem sonhos. O dia a dia era preenchido com subir às arvores e andar pelos campos tendo por companhia os outros, os os pássaros e os animais. Vida sem poesia e sem cor-de-rosa. Nunca tive um brinquedo que dissesse que era meu. Nunca mo deram. Deram-me sim castelos, igrejas, estátuas e reis. Fizeram de mim o que hoje sou sem fantasmas e sem medos. Embora tenha tido uma infância que roçava a pobreza material. Que não de espiríto. Demorei a perceber onde estavas. Demorei porque não sou nenhum deus. Como ser humano chegar lá já me fez sentir bem comigo próprio, porque tive que me vencer para compreender. Embora não tenha sido fácil perceber as cores com que pintas o teu mundo, eu que nunca pintei o mundo de outra cor senão as que ele têm: aqui cor-de-rosa, ali laranja. além vermelho e verde. Multicor. De muitas matizes e feitios. Agradeço a quem me disse que o mundo era um obstáculo a sermos felizes e agradeço-te por me deixares estar no teu mundo.
Só hoje resolvi abrir esta janela para te escrever isto. Não é nada é apenas o sentido das palavras que correm cá de dentro se as não entenderes, pede-me ajuda. Pode ser que duas cabeças duras pensem melhor que uma só. Pode ser. Tem sido.
Um beijo

Anónimo disse...

Gostei de te ler. Tem sido muito complicado, e uma luta muito dura e difícil, que não sei se algum dia terminará. Ainda doi cá dentro, houve algumas feridas que custam a cicatrizar, eu tento tratá-las, mas a "doença" umas vezes parece estar curada, mas qualquer coisa faz a ferida abrir-se.
Eu sei que me entendes.
Eu não sei é se algum dia nos entenderemos. É dificil duas personagens tão diferentes e tão iguais, conseguirem um equilibrio.
Quem sabe????
Mas foi bonito.
Abelhaferrona

Anónimo disse...

Boa tarde amiga!

Embora nunca respondes aos meus comentários(não sei porquê)não vou deixar de dar a minha opinião ao que aqui escreves.
Uma infância linda,afinal o teu pai tinha tanto carinho,que até colocou o teu nome com o mesmo nome,isso era sinal do amor que te tinha.
Por vezes as coisas não correm bem nas nossas vidas,porque o ser humano é dificil de entender,mas julgo que nunca é tarde para se ser feliz....acredita nisso.
Obrigado por teres escolhido uma musica no meu imeen,pois devo-te confessar que é uma das minhas favoritas tambem.
Um enorme beijinho,com carinho,e amizade.
Sonho

Anónimo disse...

Todas as músicas que escolhes para o teu blog são lindas. Esta eu adorei, aliás conheci as tuas músicas pela Mulher de Quarenta.
É verdade foi uma infância linda, pena ser só ilusões, mas foi linda, a realidade é muito cruel. Daria tudo para continuar na minha infância e viver sempre de ilusões.
Uma beijoca, e um favo de mel
Abelhaferrona