quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010




Tal como a fotografia a "história" que vou passar para o écran também não têm nexo e além de não ter nexo não têm cor, têm apenas sentimentos, os sentimentos de quem as colocou e pintou.

A foto é minha. A "história" é minha e os personagens são fruto da falta de sono (imaginários).

A guerra levou-o cedo daquela aldeia, também só tinha duas hipóteses: ou ia para a tropa ou para a lavoura. Filho de Pais agricultores pobres, nada mais lhe restava do que continuar a cavar para a alimentação da casa e ajudar a juntar umas parcas moedas para o que fosse preciso, talvez para o casamento do irmão mais velho .... uh talvez não, esse já estava em vias de emigrar, talvez então para a irmã que sendo a mais nova estava quase casadoira, já bordava o que queria dizer que já andava a tratar do enxoval, quem sabe, o filho do tio Zé da Tasca era da mesma idade e até diziam que era bom rapaz. Mas ele não se metia nisso, tinha outras ideias, quando levava as ovelhas e as cabras para o monte, sentia um ódio aquela prisão, aquelas serras que ladeavam o vale, queria fugir dali o mais depressa possível.
Chegou o dia em que foi colocado o papel na porta da Igreja para que os moços com 18 anos se apresentassem para irem ao Quartel da cidade a que pertencia a aldeia para irem às Inspecções. A alegria estava-lhe estampada no rosto, enquanto outros choravam, ele sorria de alegria, finalmente ia ser livre, ia conhecer outros lugares.
E assim foi, partiu para as Inspecções, ficou apurado pois o moço tinha bom físico e até tinha feito a 4ª classe com Excelente.
Não voltou mais à Terra. Passado o tempo necessário para a Recruta foi logo encorporado e embarcado para o Ultramar, primeiro a Índia, depois Moçambique, Angola e finalmente Guiné. Enquanto cumpria o serviço militar em Angola, ficou colocado na cidade.
Luanda um deslumbre para quem durante tantas comissões só via mato e pretos (sem ofensa), ali via mulheres bonitas, de mini-saia, calções e até quase nuas na praia que deleite para os olhos de um jovem moço agora já trintão, mas ainda bonito, porque ele era bonito, tinha o cabelo louro e os olhos verdes parecia um estrangeiro, ainda se lembra de quando vivia na aldeia, o chamarem "Ó Russo", mas isso já lá ia.
De vez em quando ia escrevendo umas cartas aos Pais, mas sabia que não eram eles que as liam, era a irmã, já casada com o filho do Tio Zé da Taberna e Mãe de cinco crianças, na volta lá vinha a novidade e uma fotografia de mais um sobrinho. Lentamente as cartas passaram a postais, é certo que por detrás ainda iam as novidades da guerra, mas as letras e as novidades foram começando a decrescer.
Os colegas falaram-lhe em tom de brincadeira que ele já estava na altura de arranjar uma Madrinha de Guerra, ora ele já tinha ouvido eles rirem-se quando chegava o correio e eles gritavam: "Então ó Manecas, que diz a tua???, quando é que casas com a moça, por este andar ainda vai para freira" e riam-se. Ele que via a tropa como uma coisa muito séria tão séria que já tinha feito o Liceu e passado a Furriel, que Honra, e agora ainda não tinha perdido a esperança de chegar a Sargento, não se podia dar ao luxo de perder tempo com mulheres. Mas como tudo na vida as coisas acontecem e o Sargento, já velhote naquelas andanças, já com anos e anos de comissões, até que gostava daquele rapaz, sempre farda aprumada, botas a brilhar, sempre tudo muito bem feito, o tempo livre passava-o a ler, até que não era um mau partido.
Chamo-o e disse-lhe o mesmo que os colegas lhe tinham dito, mas dizendo que sendo ele um rapaz às direitas e querendo subir na tropa não era uma rapariga de um anúncio de revista que lhe servia, ele tinha uma sobrinha, coisa fina, também tinha a 4ª classe e vivia na cidade, estava a "estudar" para modista, era um bocadinho mais nova que ele mas pouca coisa. De maneira que por respeito ao "meu Sargento" o rapaz não foi capaz de dizer que não estava interessado.
Lá começaram a escrever-se. Primeiro as cartas foram chegando lentamente, depois mais juntas até que começaram quase a chegar todos os dias, quase sempre acompanhadas por fotografias tanto da parte dela como dele. Realmente ela era linda, e ele sem nunca se ter apaixonado começou a estar à espera do correio todos os dias e sentia que quando não chegava uma carta ficava macabuzio todo o santo dia, não havia ninguém que o aturasse. O Sargento começou a notar, chamou-o e disse-lhe que o que ele sentia era amor e que o melhor era casarem, pois a idade já começava a pedir filhos. Mas ele não queria deixar a tropa, isso é que era um desgosto. Mas o Sargento descansou-o dizendo-lhe que casavam na mesma, ele lá, e ela na Metrópole, e depois ela iria ter com ele.
E assim foi. Casou na Messe dos Sargentos, com os Colegas todos a assistirem, o Padrinho claro está foi o sargento, e o Capelão casou-o, perante os olhos da cruz.
Mas nem ele nem ela chegaram a provar o gosto do amor frente a frente, olhos nos olhos, porque ele foi comemorar a festa do seu casamento para a praia, para a Ilha de Luanda onde nunca tinha estado para não ser tentado por aquelas mulheres quase nuas, mas agora que já tinha a sua Mulher que lhe interessavam as outras, ela iria chegar passado 2 dias, mas sina das sinas ele desapareceu no mar e nunca mais foi visto, e ela quando ia a chegar ao Aeroporto tão feliz por ir ter com o seu Marido e tão triste por deixar na Metrópole os Pais e o resto da Família de quem nunca se tinha separado, ao atravessar a rua foi colhida mortalmente por um Táxi, sem saber um do outro ambos morreram, separados em vida e unidos na morte sem chegarem a pronunciar o nome frente a frente.
Hoje, encontram-se 2 campas no cemitério uma ao lado da outra, como se vivessem para sempre unidos na morte quando em vida nunca se encontraram.

AnaBorges

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